sábado, 16 de março de 2024

Au revoir, Feng Shui

Quando você dá um tapinha no visual da estante e só depois da arrumação se dá conta que ela estava daquele jeito para otimizar espaço.


Nunca subestime seu eu do passado.

Ps: coloquei tudo de volta, mas aqueles 5 minutos foram mágicos. Meus chakras brilharam que nem Las Vegas.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Uma gata perfeita

Olhei o descontinho de 42%, respirei fundo e fui.


Mulher-Gato por Ed Brubaker parecia inatingível e, mesmo assim, inevitável. Só conhecia os dois primeiros arcos, publicados pela Panini em Mulher-Gato: Um Crime Perfeito, e já tinha achado o melhor material que li da Selina. Coisas que só a dupla Ed BrubakerDarwyn Cooke faz por você.

Isso foi em 2008. Os tempos mudaram. E os preços também.

Desta vez, a fase está completa e trazendo um selecionado que vai de Mike Allred e Javier Pulido a Sean Phillips e Paul Gulacy. O irônico é que durante muito tempo, achava que o TPBzinho único cobria todo o material... Ignorance is bliss.

Mas que TPBzinho maravilhoso foi aquele.


Tal qual a anti-heroína, a edição era um charme: capa cartão com orelhas e reserva de verniz, papel couché, extras com capas originais, bios e pequenos mimos com informações. Um trampo editorial caprichado do Oggh.

Mesmo após 15 anos, o gibi nunca saiu do alcance da mão. Já o Omnibus-calhamaço de 1080 páginas não consegui nem levantar para a foto.


Na época, deve ter vendido meia dúzia de exemplares. Uma pena. Preferia mil vezes que o run fosse serializado assim.

sexta-feira, 8 de março de 2024

とりあえずさよなら鳥山 !!


Akira Toriyama
(1955 - 2024)

Hoje, meio-mundo acordou tomando susto: se foi o Akira Toriyama. Novo ainda, só seis ponto oito. Ao que consta, o fato se deu no dia 1º e só agora a notícia foi divulgada pelo seu estúdio. Notável. Os japoneses sabem ser discretos.

Desnecessário, mas obrigatório comentar que Toriyama foi um gigante do entretenimento. Sozinho, era um dos maiores expoentes comerciais de mangás, animês e games do mundo. Aquele net worth de US$ 55 mi estimado pelo CBR? Balela. Que um raio me parta se a coisa não passa do 1 bi, fácil. Metade disso só de licenciamentos. Neste exato momento, a notícia varre o globo furando bolhas e nichos como pouquíssimos nomes ligados aos quadrinhos seriam capazes.

Meu contato com a obra do mangaká se resume ao genial Dr. Slump e à brilhante primeira fase de Dragon Ball. E quanto ao estouradaço e quilométrico animê, assisti e reassisti tudo até o GT – que não contou com a participação do homem. Pois é, fui mais um dos abnegados que aguardavam episódios e episódios a fio até Goku chegar de algum lugar distante para arrebentar a fuça do vilão e salvar a pátria.

Teve seus problemas? Teve. Mas Akira Toriyama foi grande.

Bom, talvez não tão grande, mas com certeza garantiu um capítulo só seu lá naquele livro...

segunda-feira, 4 de março de 2024

“Celebrando a vida através da morte”


Foi um início disputado aquele da revista Superamigos, da Abril. Os Novos Titãs de Marv Wolfman e George Pérez, o Esquadrão Atari de Gerry Conway e José Luis García-López, o Batman de Steve Englehart e Marshall Rogers, o Guerreiro de Mike Grell e outros menos cotados. E entre esses menos cotados, um dos quadrinhos que mais me impactaram naqueles tempos de gibizeiro de várzea: o Arqueiro Verde de Mike W. Barr e Trevor Von Eeden. Foi meu primeiro contato com o personagem.

A minissérie em 4 partes foi publicada em Superamigos #6-9 (out/1985 – jan/1986). Saiu lá fora pouco antes, em 1983 e marcava a reestreia do vigilante RobinHoodiano após sua parceria com o Lanterna Verde na histórica fase Denny O'Neil/Neal Adams – talvez o símbolo máximo da Era de Bronze da DC.

Por incrível que pareça, foi a 1ª vez que o Arqueiro ganhava um título próprio desde a sua criação, em 1941. Por tudo isso, poderia ter se tornado um ponto de referência na cronologia do herói e também dos comics da época. Mas, pelo contrário, rapidamente submergiu numa quase total obscuridade. A HQ é pouco comentada por aí e nunca sequer foi compilada pela DC. E olha que eles compilam tudo.

Parte disso, provavelmente, se deve ao lançamento de Ronin na mesma época e do Monstro do Pântano de Alan Moore dali a cinco meses, eclipsando o que quer que fosse àquela altura. Mas não só. Revisitando mais uma vez as edições, saltam aos olhos as perspectivas ousadas, pero herméticas, de Barr e Von Eeden.

É um quadrinho fácil que não se vende fácil.


Na trama, Oliver Queen é convidado para a leitura do testamento de Abgail "Abby" Horton, uma velha amiga de seus tempos de garotão playboy. Para surpresa da família, Abby deixa quase toda a sua fortuna para Ollie, além do controle acionário de seu império, a Horton Química. E para surpresa de ninguém, ele começa a sofrer uma série de atentados, inclusive com a participação de supervilões contratados.

Relutante a princípio, Ollie decide assumir a presidência da empresa para investigar de perto a morte de Abby e o possível envolvimento de seus suspeitíssimos filhos, genro e irmão. Como esperado, acaba descobrindo que existe algo de podre no reino dos Horton.

Se a premissa básica gira entre um novelão do Gilberto Braga e um thriller de Supercine, ela também tece um cenário perfeito para ilustrar a relação entre Ollie e Abby. É uma amizade genuína, doce e bonita de ver, mesmo que em breves flashbacks. Ao mesmo tempo, é a deixa para o roteiro explorar o homem por trás da máscara.

Na verdade, esse é o alvo principal de Barr durante a mini: o próprio Oliver Queen.


Oliver Queen em dia de Frank Castle... pobre Conde Vertigo

Ao levar o Caçador Esmeralda a uma cruzada pessoal, o escritor atualiza seu papel dentro de seu próprio mythos, agora um tanto afastado das ideologias e causas sociais. Há uma ou outra observação sobre a ineficiência do sistema carcerário, um relance solitário de sua dupla com o Lanterna e parou por aí.

Barr se mostra um aficcionado pelos estertores da Era de Prata, conduzindo a história com uma pegada amadurecida daquele período. Só assim para explicar a participação, na reta final, de um vilão tão flamboyant quanto o Capitão Chibata (Cap'n Lash) – ao que consta em sua 1ª e única aparição, com a benção de Jack Sparrow.

Mesmo os eventuais roteirismos, como o fato de (quase) ninguém reconhecer o Oliver por trás de uma mascarazinha dominó e suas trocas de roupa mais rápidas que as do Billy Batson, parecem mais deliberados do que qualquer coisa. Para Barr, não havia nada a ser reparado – no máximo, ajustado – e absolutamente nenhuma Crise seria necessária...

...se é que ele sabia que viria uma muito em breve. E se sabia, passo a admirá-lo ainda mais pela audácia.

O traço de Von Eeden abraça a proposta com som e fúria. Esteticamente agradável, mas longe de oferecer uma narrativa visual comportada. O que não o impede de criar, com o nanquim contido e inteligente de Dick Giordano, instantâneos de sequência-espetacular-do-herói-em-ação.


Não canso de declarar meu amor pela splash page que abre a última edição. É um nirvana de fetichismo super-heróico.

Na maior parte do quadrinho, porém, Von Eeden é pura combustão. Seus entre quadros fluem do convencional ao fragmentado extremo, em sincronia passional com o texto. Em alguns momentos, a sequência de quadros é retorcida ao máximo, com a leitura se dando em modo reverso, tal qual um mangá. O artista, talvez ainda sob efeito de sua porralouquíssima série Thriller anterior, afunda o pé no acelerador sensorial e arrasta junto o leitor para a sua good/bad trip.

É um mestre. Um mestre difícil e caótico, mas ainda um mestre.


No final, após um confronto em alto-mar (com um cameo criminosamente curto da Canário Negro) e das reviravoltas na trama, uma singela cena com Ollie homenageando a memória de sua querida amiga. Sem tristeza ou ressentimentos, apenas amor e gratidão pelo tempo que passaram juntos. É um grande final e fico feliz por Abby nunca ter retornado de seu merecido descanso.

De certa forma, o fato deste recomeço ter sido descontinuado no éter protegeu a aventura das vicissitudes mundanas da indústria dos comics.

Um brinde a isto!

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

À mestra, com carinho

Steven Ringgenberg pens an obituary for one of the first women to draw superhero comics, with standout works throughout...

Publicado por The Comics Journal em Terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Excelente artigo sobre a carreira da Ramona Fradon pelo The Comics Journal. Os trechos sobre a sua passagem-relâmpago pela Marvel (e suas dificuldades com o "método Marvel") e como ela viu a darkinização das HQs nos anos 1980 são sensacionais.

E sigo embasbacado com a pouquíssima repercussão de sua partida entre as quadrinistas mulheres. Tirando as homenagens da Colleen Doran e da Gail Simone, que publicou um belo testemunho, a esmagadora maioria das condolências nas redes sociais é de quadrinistas homens. E olha que procurei.

Faltou respeito e sobrou alienação...

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Com amor, Ramona


Ramona Fradon
(1926 - 2024)

Se foi a legendária Ramona Fradon, do alto de suas gloriosas 97 primaveras.

Uma das maiores pioneiras dos quadrinhos da Era de Prata, embora sua carreira tivesse inciado já entre o pós-Guerra e o pré-Comics Code. Seu primeiro trabalho (não creditado) data de 1949, na Gang Busters #10, da DC. Afirmar que foi uma vida dedicada aos quadrinhos é pouco.

É uma peça fundamental para a representatividade feminina no mundo das HQs. Foi uma das primeiras quadrinistas a se destacarem no mercado mainstream, ao lado de June Tarpé Mills, Dale Messick, Marie Severin e de poucas outras corajosas desbravadoras. E numa época em que o machismo e as picaretagens das editoras com os artistas eram a lei.

Meu 1º contato com seu trabalho: Pequenina #9 - Homem-Borracha em Formatinho, da EBAL, lançada no mesmo mês e ano em que nasci. Certamente foi parar em minhas mãos por via de algum escambo com a molecada nos anos 1980. Foi paixão à primeira leitura. O traço cheio de movimento e levemente cartunizado trazia um monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo e era impagável. Até hoje. É nítida a sua influência em artistas como Jill Thompson e Amanda Conner.

Fradon também co-criou o Metamorfo, o Aqualad original e a Fogo, a brasileiríssima Beatriz da Costa. Uma agradável honra a nossa.

Não dá pra dizer que foi exatamente uma surpresa. 75 anos de carreira, meu amigo (ela se aposentou no ano passado!). Fazendo o que amava e ainda mantendo o humor à toda prova.

Isso é incrível e maravilhoso muito além das palavras.


Thank you for everything, Ramona Fradon!

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Uma cadáver deliciosa


Uma Morte Horrível é mais uma HQ que jazia nas profundezas da minha pilha de leitura, perdida entre TPBs, HCs, formatinhos e fumettis. Uma injustiça horrível. A bande dessinée (ulalá!) da parisiense Pénélope Bagieu é uma grata surpresa: espirituosa, intrigante e com um toque de agridoce crueldade. Me lembrou aqueles thrillers obscuros exibidos nos Corujões da vida, surpreendendo zapeadores insones com uma trama ligeiramente fora da curva.

...difícil era achar o filme depois, com zero referências naqueles tempos valvulados. Cheguei a fazer pequenas loucuras para solucionar alguns desses mistérios. Outra história.

A obra é o debut da multitarefas Bagieu. Publicada originalmente em abril de 2010, lançada aqui em abril de 2016 e tirada do plástico por um leitor negligente em fevereiro de 2024. Vê como não houve demora?

Não há passado, nem futuro, tudo flui em um eterno presente – Dr. Manhatt... OPA.

A protagonista é Zoé, uma jovem adulta deslocada e sem perspectivas. E um tanto alienada também. Se vira fazendo bicos como hostess e vive com o namorado desempregado e boçal. É o perfeito retrato das gerações pós-millennials-e-lá-vai-ladeira.




É uma HQ que ganha toda a identificação possível já nas primeiras páginas.

Num dia qualquer, Zoé conhece Thomas, um escritor de meia-idade que vive recluso em seu apartamento. Mais do que recluso, Thomas parece cultivar um pot-pourri de agorafobia, antropofobia e que mais tiver de fobias sociais.

Diria que esse encontro é o grande gatilho da HQ.


Amargando um bloqueio criativo aparentemente intransponível, Thomas desenvolve uma relação platônica com Zoé, enfim se reconectando com a inspiração há muito perdida. Apesar de todas as diferenças (e talvez por causa delas mesmo), Zoé é alçada ao posto de Musa. E se reconecta com a felicidade e o amor em versão algo excêntrica.

As coisas se complicam com a chegada de Agathe, uma misteriosa personagem do passado de Thomas.

Pode não parecer, mas esse início SergeGainsbourguiano (desculpa aí o mau jeito) vai se desenvelopando mezzo como tramoia neo-noir, mezzo como o capítulo final de um novelão das 8. Não dá para comentar mais do que isso sem comprometer a história – e olha que já dei um show de contorcionismo até aqui.


É notável como Bagieu consegue equilibrar perfis tão distintos e ainda convertê-los em engrenagens essenciais nas reviravoltas. Soa quase como se tivesse escrito o roteiro partindo do final até o início. Coisa de craque, muito embora ela tenha apelado para uma malandragem elíptica perto da conclusão. Sabe como é, para ninguém antecipar o que vinha chegando.

Coisinhas de marinheira de 1ª viagem. Mas acabei simpatizando com o jeitinho brasileiro francês da opção. Afinal, funciona.

O traço da quadrinista é um cartunizado limpo e econômico, passeando por vários ângulos e sempre ao largo da tosqueira estética – vide as splashs bacanudas das páginas 54, 69 e 83. Inclusive, seu estilo até se aproxima da pegada da Margaux Motin (de Placas Tectônicas). Mais como uma cumplicidade artística do que propriamente uma influência. Se rolasse uma colaboração entre as duas, seria um cadáver esquisito imperdível.

O que me leva à única ressalva sobre a cuidadosa edição da Editora Mino.

Uma Morte Horrível foi lançado originalmente com o título Cadavre Exquis. É uma referência ao jogo interativo homônimo criado por surrealistas franceses em meados dos anos 1920. É bastante conhecido, incluindo em nossa jovem província.

“Baseado em um antigo jogo de salão, Cadavre Exquis – Exquisite Corpse, em inglês – era jogado por várias pessoas, cada uma das quais escrevia uma frase em uma folha de papel, dobrava o papel para esconder parte dele e o passava para o próximo jogador para sua contribuição. A técnica recebeu o nome dos resultados obtidos na primeira execução, ‘Le cadavre / exquis / boira / le vin / nouveau’ (‘O cadáver delicioso beberá o vinho novo’).”

Essa brincadeira/técnica coletiva pode ser aplicada tanto em textos quanto em desenhos.

A tradução brasileira "cadáver esquisito" obedece à tradição parônima que temos ao perceber erroneamente o termo inglês "exquisite" como "esquisito", ao invés do correto "delicioso" com o viés de "sabor refinado/sofisticado". É nóis.

Isto posto, Uma Morte Horrível foi uma opção ainda mais... esquisita do experiente tradutor Fernando Scheibe. A analogia com a história é perfeitamente compreensível, mas também aniquila as várias metáforas possíveis que poderiam ser feitas com o título original.

Pessoalmente, não abriria mão desse cadáver. Que é mesmo delicioso.